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segunda-feira, novembro 18, 2013

estórias de metro a metro - o olhar e a violência do destino

mal escolhi o banco para fazer a viagem de metro até campanhã, cruzei o olhar com o olhar infinito e indefinido da senhora no banco à minha frente. tinha os cabelos brancos na raíz e castanho até aos ombros, onde estava apanhado com fios mal presos. trazia uma roupa gasta e triste, uns sapatos de salto gasto e umas rugas que contavam estórias de vida calejada pelo trabalho, pelos desamores, pela violência do destino. os olhos fatigados e o olhar infinito e indefinido. nas mãos levava um saco de plástico e uma carteira preta, sem brio, sem qualidade. e uns brincos. uns brincos presos na cara onde levava um olhar infinito e indefinido. brancos na forma de pérola. foram dados, de certo. herdados, talvez. os brincos não condiziam com o traje gasto, com a pele gasta, com o olhar infinito, indefinido e triste. nisto. nisto, nestes meus pensamentos lavados pelo vazio, pelas avaliações vazias. nisto. a senhora de pele marcada por desamores e violência do destino, olha-me nos olhos, deixa o infinito e o indefinido e escolhe-me a mim para: - estamos em s.bento? - não, aqui é o bolhão, para s.bento deveria ter saído na estação anterior, na trindade. mudava para um outro metro. uma calma invejável. com a serenidade, a maturidade de quem acatou a violência do destino, levanta-se pega no saco sem graça, na carteira podre, arrasta o cabelo para trás, sobressaí a raíz, sobressaem as rugas, sobressaí as unhas mal pintadas que até aqui não tinha notado. diz-me com um olhar definido: - obrigada, não tinha reparado, não me resta se não sair em 24 de agosto. não resta se não. não resta nada. a violência do destino. os quilómetros feitos que permitem andar para trás e para a frente. acertar o olhar para a posição de infinito e indefinido. cruzar a indefinição na confusão de passos, de cabelos bem e mal pintados, na correria. da violência do destino.