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quinta-feira, setembro 04, 2003

Estava rodeada de amigos num bar onde se recitava poesia. Os versos soltavam-se em bocas impreparadas para declamar. Resolvi, então sentar-me com uma amiga num degrau frente ao bar. Juntas apreciamos a beleza da noite, a lua escondida, um gato a vaguear. Ela fumou um cigarro, eu fumei do fumo dele! A poesia que brindava aquela noite intervalou e gentes saíram para refrescar o corpo inundado de fumos.
Um senhor de cabelos grisalhos, de idade avançada surgiu com um bloco de folhas bêge e lápis escuro. "Posso desenhá-la?", perguntou, acrescentando o seu gosto por sarrabiscar rostos, especialmente femininos! O tom envergonhado da voz que faz parte nestas situações não se escapou e entre os lábios apareceu, instantaneamente um "pode". Pediu para estar quieta, descobriu os meus 19 anos de filha única pela covinha no queixo. Entretanto, a poesia recomeça. "Vamos para dentro", sugere. "Oh, a luz não é a mesma", resmunga. Vira um foco de luz só para mim e nesta altura já está meio bar a admirar a pintura e a ouvir os versos que soltos não se ligam na minha cabeça. Começo a imaginar o que paira na mente daquele ser que descobriu o seu dom. Será que me vou reconhecer, será que tenho a luz, da qual todos os pintores falam. Porque acenam que sim aquelas pessoas. O pintor de rostos femininos engana-se e começa de novo. "Tem um rosto difícil para desenhar". E eu pensei se calhar é da minha estória, será que ele está apanhar a minha estória, as minhas vivências, a minha infância e juventude ou será mesmo pelo momento que estou a passar e o pintor que culpava a luz tinha captado e não sabia. "Para a semana tenho de lhe pintar melhor!", exclamava. Finalmente, o retrato ficou completo. Olhei a cara no papel à minha frente, nele via uma rapariga jovem com olhar terno, sério, com fios de cabelo a cair e uns olhos incompletos na sua plenitude. Não, não era EU que estava ali, mas era EU que estava ali. Não tinha conseguido parar a luz do meu ser, mas conseguiu parar o meu estado de alma! Antes de ir embora, ainda suspirou: "É muito mais bonita que isto".

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