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quinta-feira, abril 22, 2004

Portugal...

Desde há três meses que não via televisão portuguesa, porque na residência, onde vivo, existem todos os canais internacionais com a excepção dos portugueses. Tive Segunda-feira a oportunidade de assistir ao Jornal da Tarde na RTP1 na casa de uma amiga portuguesa que trabalha comigo. Fiquei fascinada com as mudanças na apresentação do jornal! A SIC continua igual, os títulos principais não mudam: "Mulher pede divórcio após saber que o marido toma viagra". Não foi isto que me fez ficar perplexa, mas ver a publicidade bem feita, bem conseguida que fizeram para o Euro 2004. Parabéns! Mas, então a publicidade na Europa, nos outros países que supostamente iremos receber. Deste lado não há alusão ao Euro. Vi no centro de Amesterdão, uma única vez, num único dia, um único cartaz a promover o Euro em Portugal.
A Maria, uma amiga enviou-me este artigo publicado no "Público" o ano passado, é longo, mas diz tudo.

Europe's West Coast

"O turismo é único modo do país ganhar algum dinheiro a curto e médio prazo. Disse-o Cavaco Silva no princípio do ano, dizem-no economistas, consultores e especialistas. Já menos consensual será o caminho a seguir. O ICEP resolveu aproveitar as guerras e epidemias que graçam o mundo para atrair o turista, promovendo uma campanha que diz "Take a break from the rest of the world". Ora porque a mim estas me parecem más ideias, resolvi propor outra.
Para começar há que ter em conta que o turismo português e Portugal, não sendo entidades separadas, não devem ser tratadas como tal. Quando se remata a oferta turística com a sugestão "Take a break from the rest of the world" não está apenas a dizer-se que no Algarve há paz, que o interior é pacífico ou que a Madeira é um oásis livre de guerras. O que se diz também é que Portugal é um país à margem, longe dos grandes acontecimentos e por isso óptimo para passar uns dias de descanso. O que sendo bom para os tais dias de descanso, não é para a ideia com que se fica de Portugal.
Será que um país à margem, longe de tudo e de todos, sem cosmopolitismo, sem mundo, parado, é o que os portugueses e o Governo querem? Será isto bom para o investimento e exportações, para os criadores e criações portuguesas e para a afirmação de Portugal no mundo?
Claro que as perguntas são retóricas. Claro que quando o primeiro-ministro disponibiliza os Açores para a cimeira da guerra, está a juntar Portugal ao mundo. Claro que quando se organiza o Euro 2004, não se está à margem do mundo mas é-se, na altura, o próprio mundo. Por isso Portugal não pode, nem deve dizer "Take a brake from the rest of the world". Se "um país à margem" é o benefício que o turista procura e Portugal escolhe como estratégia não o desiludir, então estaremos a condenar Portugal a colónia de férias e os portugueses a empregados de hotelaria.
(Não é a primeira vez que tal é feito. A campanha anterior, "Warm by Nature", baseada na proverbial simpatia do nativo, reflecte também a ideia do português como serviçal de hotelaria).
O turismo português não é isolável de Portugal. A nossa oferta turística afecta a imagem do país, todos os conceitos e preconceitos com que nos definem, contaminam a nossa oferta, seja ela turística, comercial ou cultural. Conceitos e preconceitos que, por muito que nos custe admitir, não são os melhores. Para o consumidor estrangeiro ideias de modernidade, desenvolvimento, cosmopolitismo e cultura não moram cá. Em França a ideia geral é de que os portugueses são fiáveis e por isso bons porteiros e mulheres-a-dias. Na Suíça pessoas discretas e apagadas e como tal bons criados de mesa. Em Espanha parecidos com eles mas mais pobres e menos desenvolvidos (os espanhóis pensam de nós o que nós pensamos dos marroquinos). Em Inglaterra somos um simpático país do Sul onde felizmente ainda se encontram carroças e pastores ("peasants" é o termo usado e equivale ao nosso bimbo). Enquanto o estrangeiro nos vir como "peasants" com Algarve, sol e mar, de nada servirá vender outros produtos turísticos pois eles só os comprarão em saldo. Há que tentar, antes, reposicionar Portugal e mudar a fama que o país tem de modo a que os seus produtos possam ser vistos com outros olhos e, por isso, vendidos a outro preço.
Ora como é que se muda a fama? Em primeiro lugar, mudando o país. Tarefa que está longe de ser a do marketing e da comunicação. Acontece porém que o país já mudou, talvez não tanto como todos gostaríamos, mas mudou mais do que a percepção que dele têm os estrangeiros.
Em segundo lugar, muda-se a percepção do país. Substitui-se "o filtro" através do qual o estrangeiro nos vê para que ele se dê conta que este país não é o que ele pensava. Este é papel para a comunicação e o turismo um dos melhores instrumentos para o fazer.
Portugal é considerado na Europa, país do Sul, como a Espanha, a Itália e a Grécia. Ora o Sul é precisamente o "filtro" que precisa ser substituído. Para perceber melhor, vejamos as boas e más coisas do Sul. Sem ser exaustivo, digamos que o Sul tem bom tempo, calor, gente simpática, boa comida, paz, esplanadas e dolce farniente; e tem subdesenvolvimento, gente pobre e iliterada, corrupção e os indicadores estatísticos de miséria.
O que é bom, Portugal tem mais ou menos tudo o que tem o Sul mas nunca melhor. Sempre igual ou pior: basta comparar o Mediterrâneo quente e calmo, ao nosso mar frio e turbulento, as noites quente e húmidas, às nossas nortadas. Quer queiramos quer não Portugal não é um país mediterrânico. É um país tipo mediterrâneo (do mesmo modo que algum queijo é tipo serra) e, se insistirmos em imitar, perdemos.
Já as coisas más tendem a ser percepcionadas como igualmente más ou piores. Estando mais longe e afastados do centro, não sendo país de grande notoriedade, as pessoas tendem a acreditar que o mau é pior. O desconhecido é-o sempre. Mas ainda que o nosso Sul fosse melhor que o Sul dos outros, que a nossa arquitectura, cozinha, clima, mar, gente, infraestruturas, vinho, museus, noite fossem melhores que os da França, Espanha, Itália e Grécia, ainda assim, a ideia de ser do Sul será sempre má pois estamos competindo não por sermos diferentes, mas por sermos iguais. Quando assim é só há uma estratégia de comunicação: a do dinheiro. Quem falar mais alto ganha. Ora dinheiro, como todos sabemos, é coisa que não abunda nem abundará.
Lê-se no título de um famoso livro de marketing "Differentiate or die". É o que há a fazer. Criar uma categoria só para nós, que faça sentido para Portugal, para a nossa oferta e para o consumidor. Uma categoria onde os outros não possam concorrer. Temos que sair do Sul. Coisa que, parecendo difícil, não é: se olharmos o mapa da Europa, vemos Portugal a Sul mas também a Oeste. Escolhamos então o Oeste pois foi este o sítio que a História nos destinou. Esta Ocidental Praia Lusitana é também uma Ocidental Praia Europeia. O que proponho então como "novo filtro" é o West e a solução comunicar Portugal como a Europe's West Coast.
O que é que ganhamos com isto? Uma poderosíssima rede de associações que induzirá o estrangeiro a reavaliar o país. Uma reavaliação benéfica, muito para além do turismo embora este seja o primeiro a beneficiar com o reposicionamento. É que Europe's West Coast trás consigo todo um imaginário relacionado com a West Coast americana, compatível com as percepções boas do Sul. A praia, a vida colorida, o surf, as esplanadas, a tolerância e os estilos de vida alternativos, o tempo ameno, o sol que se põe no mar, o golf. Na Europe's West Coast os benefícios do Sul já vêm incluídos mas o conceito traz mais. Traz associações "aspiracionais" - Hollywood ou Silicon Valley, por exemplo - que sem nada termos que fazer contaminam o conceito positivamente, tornando-o mais glamouroso e mais cosmopolita. Depois há as pontes e colinas de Lisboa e S. Francisco, o Vale do Douro e o Napa Valley, a aridez da Baja Californiana e o nosso Alentejo, coincidências felizes que é só aproveitar.
O West é também um lugar mítico, um lugar de sonhos onde a terra "desagua" no mar, para onde se vai mudar de vida. Por fim, de um ponto de vista político, o West tem sido sinónimo de desenvolvimento e democracia. Ao sermos West beneficiamos destas associações e saímos do Sul.
Mas o conceito tem outro ângulo que o torna mais poderoso: Europe. Não somos uma West Coast qualquer, uma West Coast de imitação: somos a Europe's West Coast. Faz acreditar que todas estas associações são temperadas com história, civilização, "cachê". A mesma história e civilização que ajudámos a construir saindo para... West.
Ao reposicionar Portugal como a Europe's West Coast criamos para europeus e americanos um novo lugar no mundo, uma nova e desconhecida realidade que é o novo Portugal. E criar uma boa novidade é sempre boa estratégia de marketing. Uma novidade que ajudará europeus a fazer outra ideia de Portugal e americanos a descobrir, não o velho West, mas o velhíssimo West que é o da Europa e que eles nem sabiam existir.
É esta a ideia. Uma ideia afirmativa de que não somos aquilo que os outros querem, mas sim o que queremos ser. Somos a Europe's West Coast. A mim parece-me boa ideia."


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