um weblog sobre literatura, viagens, momentos, poesia, sobretudo, sobre a vida. enfim, um weblog com histórias dentro.

quinta-feira, setembro 18, 2014

a liliana que há em nós

há dois ou três dias foi publicada uma estória no jornal Público sobre a grávida que perdeu o trabalho por estar...grávida. por querer fazer crescer a natalidade do país. por querer fazer do país um sítio menos velho. por querer contribuir para futuras pensões. por querer contribuir para a economia e desenvolvimento de um país. por responder que sim, ao fim e ao cabo, aos apelos do governo. a liliana é um exemplo de muitas lilianas por ai. engravidou, foi ameaçada e perdeu o emprego.
na obra de Eça de Queirós, muito na moda, agora, lê-se que Portugal é um 'chiqueiro'. e é. gente que diz uma e faz outra. eu vivi este pesadelo quando estive grávida. a dar tudo por tudo. para que fosse deixada ao acaso. para que fosse para o lixo. é assim mesmo que se sente - um lixo. deixa-se de ser 'ser humano para ser um zero à esquerda, à direita, de frente e de trás. a mim nem se deram ao trabalho de me ameaçar, de me substituir. fecharam a porta, nem um obrigada pelo trabalho, nem um 'está despedida', nem uma palavra. gente 'torpe' [lá diz Eça] que é tão chiqueira quanto o país.

terça-feira, setembro 09, 2014

Deus dá nozes a quem não tem dentes

Deus dá nozes a quem não tem dentes.
uma mulher de corpo bem feito, bonita de cara, pobre de espírito. um homem, jeitoso por sinal, sorridente, a arrotar amabilidades com a mulher - mulher dele, ele, homem dela. os dois com dois filhos - dos dois, ternuras. filhos bonitos. cena de cinema. todos lindos, de férias, ao sol, longe de todos os defeitos, de todos os males - embrulhados numa película de plástico com uma mensagem: frágil, por favor, não toque.
mulher, espírito pobre, do contra, a ser altamente bajulada, idolatrada, pelo resto da família - marido, filha e filho. a mulher adornada de uma ponta à outra, sorriso maquilhado - falso de uma ponta a outra. mais: relógio de marca, biquini de marca, chinelo sujo de marca. daqueles seres que, assim, ao longe, devem ter tudo - um trabalho onde se ganha dinheiro a sério, uma família rica no banco, imune a qualquer anormalidade da vida. por conseguinte, mulher azeda, tiques de uma educação rude, grosseira - do 'sou centro do mundo'.
quando me deparo com pessoas assim, vejo a outra margem - humanos humildes, que lutam pela dignidade da vida, pela saúde, por todas as anormalidades da vida, que maquilham tudo menos o sorriso - e, ainda assim, apanham porrada por todos os lados.
não entendo. custa entender. por que uns amargos, comem nozes sem dentes, e outros doces, passam as passas do Algarve.

sábado, setembro 06, 2014

da anunciação

anunciação. de coisas boas e más. desde sempre, há uma anunciação para cada momento das nossas vidas.
eu tenho uma amiga que se chama Anunciação. todas as vezes que digo 'Anunciação' há necessidade de repetir/anunciar o nome. eu nunca tive esta incerteza na fonética. gostei mais do nome quando conheci a pessoa. foi há três anos na Acapo - associação dos cegos de portugal. reunião marcada numa manhã amena no porto. juntas começamos um projecto nosso que hoje existe em trejeito infantil e que neste trejeito pequeno já deu um livro, e uma amizade. a poesia cresceu na Anunciação, e a minha admiração pela Anunciação anunciava-se a cada dia que íamos ganhando passado. A Anunciação é amblíope tal como eu vejo mal ao perto e preciso de óculos. a amblíopia é um pormenor, apenas para explicar a ligação da minha amiga à Acapo. lembro de entrar na Acapo, e esperava-me uma Anunciação ansiosa por coisas novas, abria muito os olhos na expectativa de me conhecer melhor. Disse sim à poesia, à minha ideia, sem saber se eu era boa ou má - coisas de corajosos e audazes perante a vida. Com o tempo as nossas conversas e os nossos cafés foram mais do que poesia (será possível algo ser mais que poesia?)mais do que as nossas sessões Um Sentido na Poesia. Sempre que tricotamos conversas, regresso a casa com uma admiração profunda por aquela mulher e amiga. espada na mão, garra na alma, alegria difícil no corpo, sorriso para o que der e vier. assim é-me anunciada a Anunciação. a minha amiga.