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sexta-feira, julho 06, 2012

adeus

quando conheci a sãozinha não sabia que seria minha avó para sempre. nasceu já velha para mim. eu no início da vida. ela com cabelos brancos e pele enrugada que teimava com todos os tempos. uma mulher do campo, forte, resmungava por tudo e por nada, e por tudo e por nada dava gargalhadas - muito altas. só me apercebi destas características quando ganhei consciência. os meus avós moravam na rua do casal e a sãozinha também. muito conveniente para me deixarem de manhã antes do trabalho. eu era o trabalho de sãozinha. todos os dias pelas 07h30 a porta da casa mais velha da rua, da senhora mais velha da rua, rangia. e eu também, porque via a minha mãe e a minha avó irem para o trabalho. amar custa. o tempo foi passando, o meu tempo também, e certo dia em que dei folga à sãozinha, apercebi-me que a amava. e ela a mim. a partir daí, sãozinha mudou a semântica e semiótica da palavra e imagem sãozinha. passou a ser a avó, e o marido avô. os outros netos primos, os filhos tios. mais do que família, sãozinha para mim reflecte uma boa parte do meu ser, e do meu lugar do mundo. gosto de feijões pela teimosia da avó sãozinha. não tenho medo de cães nem de gatos, porque corria o campo todo em liberdade. aprendi que o vinagre faz milagres. aprendi a rezar e a dar graças - ou não fosse a avó sãozinha a mais antiga catequista de Rio Tinto. sobretudo, deixava-me brincar com martelos a fingir que eram microfones, e punha-se a rir das minhas figuras. um dia sãozinha perdeu a memória. ficava admirada de me ver dizer que eu era a joana, a joaninha, a neta de nenhum filho. depois arregalava os olhos e dizia: espera lá, a joana é pequena com uns grandes olhos azuis. "tu és ela?" a minha avó sãozinha parou as memórias no tempo delas. e fez bem. a palavra adeus é longa. tem 30 anos de existência.

1 comentário:

Anónimo disse...

Que extraordinário texto! Comovente... Parabéns. José Miguel