há segredos que nos sussuram uma vida inteira. só os ouvimos quando a vida quer.
passei a minha vida com a certeza que todas as minhas características vinham do meu lado materno. até que.
até que a aproximação a uma tia do lado paterno mostrou-me que afinal.
afinal o meu lado paterno corre-me nas veias e no sorriso.
há um retrato da minha avó - que nunca conheci - na parede branca na casa dos meus pais. a mesma que está na morada onde a avó repousa para sempre. a única que conheci. no retrato, a avó já adiantada na idade. com barriga no queixo. um sorriso alegre. a pele morena. os olhos azeitona-preta. o cabelo puxado atrás.
a tia, irmã do meu pai, emigrada em frança durante uma vida que deu vida a filhos - 4 - finalmente regressada da vida para outra vida, me contou muito. tudo. tudo o que o meu pai me ia sussurando a miúde - como peças de puzzle.
depois da tia conheci a prima que até então só conhecia de nome, porque eu sou portugal e ela frança. a prima disse-me palavras banais, e neste vento comum eu revi-me. como de manhã quando me penteio ao espelho.
foi daqui, deste ãngulo adn, genes, o que for, que percebi a minha timidez de alma, e a euforia do meu riso.
percebi todas as vezes que ia ao cemitério visitar os avós sem nunca ter conversado com eles. ficava a olhar as fotografias a preto e branco a saborear um diálogo vazio, a imaginar o 'e se'. e, depois, quando acedi a um retrato da avó - rosa - mais nova, vi o meu queixo, o desenho da minha boca, a segurança do meu olhar.
espreitei na fechadura do meu passado que nunca foi meu.
Sem comentários:
Enviar um comentário