um weblog sobre literatura, viagens, momentos, poesia, sobretudo, sobre a vida. enfim, um weblog com histórias dentro.

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

parabéns avô

sentia sempre pena quando o via a assomar-se a casa
com a enxada na mão.

trazia suor no rosto,
cansaço ao peito - respiração queimada pelo sol.

eu admirava-o do portão da casa
ao vê-lo, assim, robusto,
como uma velha árvore.

mas sentia pena,
daquela
que dá um beliscão no coração.

um velho com uma enxada na mão
a trabalhar duro, debaixo do sol duro.

em pouco tempo, estariam vivos
(estamos vivos)
tomates, alface, cebola, cenoura, batata.
sopa para todos - nunca nos faltou nada.

nunca nos fizeste faltar nada.
nem à mesa, nem ao abrigo dos dias.

pousavas as galochas incriminadas de terra
lavavas as mãos,
as mãos continuavam sujas,
do dia de hoje e do dia de ontem

Bebias água, rebolavas os lábios no gole
que já foi.

Isto passou, como agora passou mais um minuto.

Hoje abafas o corpo
numa cadeira de muitos corpos.

E quando repousas o corpo, fechas os olhos
e engoles ar,
e expeles ar.
e mais uma vez.

parece uma vida inteira

a entrar e a sair,
da tua boca.

4 comentários:

Anónimo disse...

Muito, muito bonito, Joana.

Joana M. Soares disse...

obrigada umbigo poético :-)

Lúcia Lourenço Gonçalves disse...

:) Ternura pura. Lindo de sentir!

Joana M. Soares disse...

Obrigada Lúcia :) um beijinho*