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segunda-feira, outubro 21, 2013

do pão com panado

A senhora rastejava os olhos pelo balcão. Tinha lápis preto nos olhos, parecia já de uma semana. Falava para o marido que estava escondido atrás do balcão, entre pedidos de clientes, com trajes vagabundos cosidos pela própria vida. Tem algo rápido para comer? Sim, menina, responde, olhando-me com os olhos borratados de negro a condizer com o casaco que vestia. Apontou para tudo quanto passou pelas mãos do marido que nunca conheci, pois estava para lá das paredes gastas pelo tempo. ‘Rissóis, pão com panado e omelete’, conta pelos dedos das mãos. Um sorriso brilhava no meio de tanto negro. Pode ser um pão com panado, escolho. A mulher arrasta-se até à mesa. Com o peso do casaco, com o peso do lápis preto nos olhos, com o peso do pão com o panado, com o peso da vida. O dia está correr bem? ‘Nem o dia, nem a vida. A minha filha está desempregada, ganha 500 euros numa loja, e na área dela, em psicologia, arranja trabalho se for voluntário. Um filme’. ‘Um’, não, O filme desta sociedade. Querem mãos, pernas, braços, cabeça, tronco, mais o suor, mais as horas além do dia, o sol e a noite, até a nossa alma. Para quê? Para no fim nem um pão com panado oferecerem em modo de gratidão.

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