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sexta-feira, julho 11, 2014

Obrigada Maria

A Maria deu-me uma bofetada. Em resposta sorri e agradeci.
A Maria tem idade para ser minha mãe. Não é mãe. A vida não lhe deu essa bênção, mas deu-lhe tantos obstáculos e tantas bofetadas que aprendeu o que poucos aprendem: a ser feliz com o que tem. A dar um abraço a cada alegria que a vida não lhe tirou. Esta alegria branda pode ser uma conversa com uma amiga.
A Maria trabalhou desde que aprendeu a andar, a falar, a cheirar, a ver. A infância da Maria foi de suor e de poucas bonecas. A infância da Maria foi de ausência de pai e de chicotada quando resolvia aparecer. A infância da Maria teve amor-ríspido de mãe. Sopa quente de noite e um cobertor para todas as noites de todos os anos.
A Maria cresceu. Já mulher conheceu um homem. Foi traída pela liberdade do casamento que julgava ser, e conviveu com a maldade humana durante anos. A infância mentida foi prenúncio para uma idade adulta sem flores.
Porém,
Maria cheirava, via, andava, falava. Encontrou a felicidade no trabalho. Todas as noites fazia tomadas para acendermos as lâmpadas das nossas noites nas nossas casas. E nessa fábrica a vida embrulhou só para ela, amigas, momentos que ficam no íntimo de cada um.
Quando regressava a casa com o peso do passado nas costas, encontrava um presente envenenado – o homem que não era digno do nome marido.
Arranjou forças, coragem que só tem quem sofre. Pediu o divórcio. No meio da luta pela própria vida atacou-lhe um esgotamento que a arrastou para pilhas de medicação, para a cama, para a solidão sem tréguas.
Até que,
Alguém que reparou. Alguém soube que a sua mão levantaria o peso da alma desmaiada da Maria. E Maria deixou que o sol entrasse.
E o sol sai do corpo da Maria e o peso do mundo não chega a um grama.
A Maria podia ser escuridão, podia ser rude, podia ser amarga, involuntária.
Mas,
Apesar das rugas cravadas no rosto, escolheu ser uma centelha rara no mundo que ri e olha para o lado. A ver se há alguma vida que necessite ser levantada. Escolheu acolher a velhice da mãe sem mágoa e com amor. Escolheu ir dançar porque gosta. E, apesar de aos 55 anos ter sido dispensada pela empresa, escolheu fazer formações e procurar trabalho. A Maria escolheu levantar o próprio peso.
Obrigada Maria.

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