um weblog sobre literatura, viagens, momentos, poesia, sobretudo, sobre a vida. enfim, um weblog com histórias dentro.
segunda-feira, setembro 30, 2013
das relações interpessoais
foi há uma semana.
o sol ainda existia. estávamos numa piscina. não sabíamos que era a despedida do verão.
sentamo-nos em duas cadeiras 'ao calhas'.
havia um casal ao lado. vizinho desse dia.
não nos encontramos de imediato. havia um guarda-sol entre nós. ficou entre nós o dia inteiro.
como diria uma tia: 'chispámos'.
como diria o poeta: 'primeiro estranha-se, depois entranha-se'.
os miúdos brincaram. aproximaram os pais. reconhecemos os pontos em comum.
as relações são estranhas. os seres humanos também.
mas existe algo mais valioso: o sangue que corre nas veias, a sensibilidade genuída de saber pelos olhos, as almas que valem a pena. nada é ao acaso. nem palavras ríspidas que terminam num abraço.
terça-feira, setembro 24, 2013
estórias de metro a metro - a música
onde há música há alegria. mas não é tanto assim, quando a melodia sai dos ouvidos de qualquer um no metro. seja manhã, tarde ou noite, há gente e gente com phones enfiados nos ouvidos, a tentar ser invisível ao mundo. só que o que acontece é precisamente o oposto. gente no metro com phones colados nos ouvidos atrai tudo e todos. atrai ainda mais gente. gente que não se importa, gente que curte, gente que não suporta, e gente que bufa. é que a música não lhes fica apenas nos ouvidos. sai de lá de dentro e impregna-se em tudo quanto pode. parece uma daquelas roupas que fica trilhada na gaveta do armário , se não a fecharmos com cuidado.
num destes dias no metro, um rapaz ia com a música aos berros nos ouvidos. e dormia. pacientemente. música? o som ia mais ou menos assim: tz, tz, tz, tz. não saia disto. há gostos para tudo. as frases dos avôs fazem cada vez mais sentido.
a vizinha, sentada no banco ao lado bufava por todos os lados. mexia-se no assento. mas o rapaz não acordava e a música não se calava. coube-me a missão de tirar o rapaz do mundo dos sonhos. olhou-me de lado. 'será que podias baixar o som, se faz favor', pedi. 'rgghhhrrrgghh', respondeu. a senhora agradeceu com um sorriso. voltou a realidade com a música de todos os dias.
sexta-feira, setembro 20, 2013
da tatuagem
é um grupo grande. 19, mais precisamente. há uma menina que chama a atenção. porque fala assim, né?
mas a mim o que me intrigou foi a tatuagem no braço. tem três palavras. e durante três dias não descansei enquanto não consegui decifrar as letrinhas pequeninas.
andava em volta feita borboleta. metia conversa. quase me pegava o jeitinho dela falar.
até que numa longa passa que ela dava no cigarro, agarrei a oportunidade, li sem ser vista, tirei sem roubar.
know your rights
agradou-me. até porque se dirigia a mim, e a ti.
pensei: não fosse má ideia gravar aquelas palavras na testa. é ridículo mas necessário nos dias de hoje onde se publicam anúncios do género:
queres ganhar 300 euros, não te importas de trabalhar 10 horas sem receber extraordinárias, apenas com uma folga semanal.
àquela frase eu acrescentaria I DO know MY rights.
tatuagens destas deviam sair nos pacotes de batatas fritas, para utilizar em ocasiões especiais - que já são de mais.
estórias de metro a metro - os livros
na carruagem do metro que eu escolho vão sempre pessoas com livros como se fosse filhos. os livros sentam-se no colo, a pessoa está ali mas não está ali. é aqui que a minha curiosidade extravasa.
seja homem ou mulher, primeiro agarra o livro como se alguém fosse agente de execução e penhorasse o livro. agarram com força o livro nas mãos, encostam-no à cara como se se tivessem esquecido os óculos em casa, e sempre que algum olho alheio tenta perceber o título ou o autor, o livro, na carruagem como troféu, é imediatamente escondido entre os braços. 'tu põe-te fina, tu nem tentes pegar no livro, tu não olhas o meu livro, o livro é só meu'. é um gesto mimado.
escrevia eu que as pessoas que lêem no metro não sabem que estão no metro. navegam. viajam. tornam-se outros. pelos breves minutos que a viagem do metro dura - as mesmas linhas de uma estória qualquer fechada entre duas capas - as pessoas que trazem ao colo um livro não tiraram o andante, mas sim um bilhete além da minha carruagem.
quinta-feira, setembro 19, 2013
estórias de metro a metro - o chinês
8h30. nem isso. olhares de compromisso com a cama - ainda. uns fumam. outros validam à pressa o seu andante para o metro. umas bocas abrem em preguiça, a acordar para a agenda do dia. cada um nos sapatos e fatos seus. cada um na sua vida. umas caras mais felizes do que outras, à espera do metro e do dia. é ali na estação do metro que começa a pressa do dia. é ali que também o relógio boceja pela última vez até alinhar os ponteiros com os olhares dos proprietários. de repente.
de repente um homem, de cara chinesa, agarra no telemóvel e fala. põe todo o cenário que sempre arruma aquela hora do dia em sobressalto. os bocejos descoordenam. os relógios desorientam-se. os olhares focam-se. no chinês. que decide falar alto. e, ainda por cima, em chinês. dong ding dong. dong. ding. dong. dong ding dong. aquilo foi um despertador. um motivo. basta um motivo para o dia começar com interesse, com magia, enfim, com uma estória para contar no local de trabalho na hora da pausa. 'sabes hoje ouvi chinês', 'não percebi nada', 'mas o meu dia começou assim', 'da china de ramalde com amor'.
domingo, setembro 15, 2013
estórias de metro a metro - línguas e cores
há um grupo de pessoas que se apodera do quadro com as informações sobre horários e zonas no metro. falam alto. ainda não os tinha visto da escada rolante e já imaginava o cenário: espanhóis, histéricos. aproximei-me do quadro, porque queria saber uma informação. mas esses espanhóis, desde há três séculos que nos querem à força - seja terra, mar, ou o quadro com as informações sobre as linhas do metro. de rompante olham para trás. deparam-se com o meu olhar intrometido, à espera de uma oportunidade de me inflitrar naquela tertúlia sobre para onde vai este e aquele metro.
fui presa fácil. apontaram-me os canhões das perguntas: quero ir para aqui, como faço? [sempre em espanhol, claro!] e eu, em português [sempre, claro, por patriotismo, apenas]: é assim, assim, assim. uma verdadeira professora, apontar para o esquema do metro, a explicar tudinho. os ' muchachos' na casa dos 50 anos foram embora e nem um 'gracias'. bem posso viver sem 'gracias'. não o fazia na terra deles, e ainda bem que houve um 1º de Dezembro e o grupo dos Quarenta Conjurados.
da debandada
acordar pela miúda num susto. preparar leite, café, pão, manteiga. comer. arrumar.
'vamos ao parque. vamos ao parque. vamos ao parque.'
'vamos, sim. deixa apenas isto. deixa só aquilo'.
'vamos, vamos, vamos, vamos'.
os ouvidos hipnotizam, cansam-se naquele v-a-m-os. é imperativo. é agora.
'ok, eu deixo o vamos para depois, para lá dos ponteiros'.
parque.
regresso a casa. avental. tachos. lume. miúda a puxar o avental, a fazer um comboio.dançamos todos. eu com o fogão. a miúda comigo. e os tachos ao lume.
comemos. arruma cozinha.
vamos brincar. vamos brincar. vamos brincar.
já percebi que são necessárias três vezes para a informação passar à acção.
'não, agora, descansas, enquanto eu isto e aquilo'.
dorme. finalmente,
acorda. lava cara. veste.
de debandada para o porto. para ver um amigo. o novo livro do amigo que já não via há muito. que falarei adiante aqui no fb. merece um espaço só dele.
vemos o livro, o amigo, e outros amigos. pessoas em debandada.
em debandada de jantares e concertos.
a minha debandada encaminhou-se para casa. sopas. 'bonecos, bonecos, bonecos'. e passar a ferros. terminei a debandada com o novo livro do velho amigo adormecido no meu colo e eu adormecida na almofada. foi a minha debandada do porto. e foi muito cool.
quarta-feira, setembro 11, 2013
Estórias de metro a metro – no Metro
As meninas sentadas atrás de mim falavam muito.
Havia, no entanto, uma palavra que sobressaía mais do que as outras. Diziam ‘caralho’. Tantas vezes quantas as que falavam. ‘caralho’ o almoço que fiz correu mal. ‘caralho’ tive de me despachar. ‘caralho’ ele não largava do meu pé. Até que: ‘caralho’ olha aquela ali tem um rabo de cavalo mesmo giro. Tive um igual mas perdi-o.
Pensei por ela: ‘caralho’. Por compaixão. Ter-se algo bonito e perder-se. É mesmo fodido. Principalmente para uma gaja que se prese.
Continuou a miúda atrás de mim que nunca conheci, a não ser a voz através do ‘caralho’: ‘tem estilo’. E tinha. Esta outra miúda, nos seus 20, entra vitoriosa no metro de vestido cor-de-rosa, de rabo de cavalo. Exibicionista. Parecia saber que alguém, ali, tinha um i-g-u-a-z-i-n-h-o. Mas naquele momento ela era a única.
‘caralho parece a Cleópatra’, comparava a tipa atrás de mim. E parecia. Mesmo. Eu confirmo. Senta-se mesmo à minha frente. Podia ver-me a mim, às outras que nunca vi.
Silêncio.
Devemos ter todas pensado: que grande ‘caralho’.
terça-feira, setembro 10, 2013
malas, nova iorque e acasos: palmira
os dois miúdos vão agarrados a quatro malas.
duas para cada um. o rapaz leva na cabeça um boné que diz new york, a rapariga tem umas unhas enormes e vermelhas de sangue com diamantes colados na ponta da unha. Um decote que dá para imaginar o que lá vai dentro. são miúdos. terão 15? 17? vao aos solavancos, eles e as malas. no metro: sentido/direction, aeroporto. irão sozinhos? para nova iorque (tendo em conta o boné do rapaz?
não sei. cochicham um com o outro. nos olhos trazem sono. mas já são 16h. ainda assim sono. viajo para dentro da cabeça daqueles miúdos. percebo que vão para nova iorque, que às tantas conhecem a minha prima. palmira. eu sei disto. eles não. separados por um banco no metro, mas com algo em comum. a palmira. tenho a certeza. tenho tanta certeza nisto. como nos acasos. se os miúdos não tivessem tomado o meu metro, sentado à minha frente, com o boné a dizer new york, nunca poderiam conhecer a palmira. mas eu acredito em acasos. a minha prima que está em nova iorque conhece estes miúdos. são, talvez, vizinhos, já lhes preparou refeições no restaurante onde trabalha. ou melhor, são vizinhos. eles não sabem, mas entre o meu banco e o deles existe um nome. palmira. porquê? porque os acasos existem, porque o mundo é pequeno, porque acredito mais na minha imaginação do que no meu país.
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